SOMOS ÁTOMOS DE DEUS

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quarta-feira, 22 de maio de 2013

CIÊNCIAS DA RELIGIÃO E "ENSINO RELIGIOSO"


Faustino Teixeira*


As Ciências da Religião, um campo disciplinar dinâmico e em processo de definição, nascido no terreno da “modernidade filosófica pós-cartesiana”, firmam-se cada vez mais no panorama acadêmico internacional e nacional. 

No Brasil, a perspectiva dominante é a multidisciplinaridade, tendo como objeto a religião. Há quem defenda o termo Ciência da Religião, para marcar sua autonomia como disciplina e indicar a necessidade de um “método unificador”. E há quem prefira dizer Ciências da Religião, enfatizando o caráter “pluridisciplinar” e a diversidade metodológica. O que se verifica é um esforço de aperfeiçoar a compreensão do fenômeno religioso em toda a sua pluralidade.

O objeto de estudo das Ciências da Religião é o fenômeno religioso em toda a sua complexidade. O debate em torno da abrangência das Ciências da Religião é hoje enriquecido com reflexões advindas da Antropologia, da Filosofia e da Fenomenologia da Religião, no sentido de buscar captar a “originalidade irredutível” do fenômeno religioso e a importância da abertura para a dinâmica da interdisciplinaridade. O estudo considera a complexidade e não descarta o específico do “religioso” presente no fenômeno, uma condição imprescindível para o seu conhecimento e a apreciação objetiva. 

Ciência da Religião fundamento do “Ensino do Religioso”

O Ensino Religioso é garantido por lei desde 1934. A Constituição de 1988 é clara, no Artigo 210, § 1o, na Seção I: “O Ensino Religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental”. Também a Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional estabelece, na nova redação do Artigo 33 da Lei 9.394 (1996), que: “O Ensino Religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo”.

A diversificação religiosa e o pluralismo religioso requerem, certamente, novas bases para a reflexão do ensino da religião na escola pública. Pode-se também levantar questões sobre a pertinência de posições laicistas, que excluem a possibilidade do ensino da religião na escola pública. Por outro lado, outros modelos são apresentados, numa linha de maior respeito ao pluralismo religioso, como a proposta do Fonaper (Fórum Nacional Permanente de Ensino Religioso), por exemplo. 

O debate acerca do ensino da religião na escola pública ocorre em âmbito internacional. Na França, um país laico, defende-se o “ensino do religioso”. O modelo francês, distinto dos de outros países, como Irlanda, Grécia, Espanha, Portugal, Dinamarca e Alemanha, reforça o “estudo do religioso” na escola pública, mediante uma aproximação “descritiva, factual e nocional” das religiões em sua pluralidade, sem privilégios ou exclusividades. Opta por um enfoque sensível, transversal e interdisciplinar dos fenômenos religiosos. A inserção do estudo “do religioso” não significaria romper com a tradição da laicidade francesa, mas passar de laicidade de incompetência (de desinteresse) a uma laicidade de inteligência (de conhecimento). 

O caminho apontado neste artigo busca uma perspectiva equidistante tanto do Ensino Religioso confessional como da rigidez laicista que exclui o ensino da religião da escola pública. Considerando a perspectiva das Ciências da Religião, é preciso criar condições para o “estudo do religioso” que parta da importância da religião na sociedade brasi­leira e na compreensão da própria cultura. E as Ciências da Religião possibilitam o exercício reflexivo de aperfeiçoamento da compreensão do religioso como “objeto de cultura”, ou fenômeno cultural. 

Olhar e escutar o mundo da alteridade

Dentre as contribuições das Ciências da Religião para o “ensino do religioso”, algumas merecem destaque. Em primeiro lugar, o olhar e a escuta da alteridade. Compreender o outro é uma “arte” que exige despojamento e sensibilidade hermenêutica. Do educador é exigido não só o conhecimento teórico das religiões, mas a sensibilidade face ao enigma do “outro” nelas encerrado.

A escola precisa abrir espaço para a abordagem honesta e digna do fenômeno religioso. As tradições religiosas possuem um “patrimônio espiritual”, e sua justa avaliação pressupõe conhecimento e aproximação existencial feita com uma sensibilidade capaz de superar a resistência ante as esferas particulares da experiência humana que se limita a reduzir o engajamento vivido pelo outro a meras observações exteriores e frias. Não há como compreender o contexto histórico das religiões desconectando-o da “espiritualidade” que as anima. 

É necessário criar o reconhecimento da alteridade e o respeito à sua dignidade. O estudo do fenômeno religioso deve criar uma dinâmica marcada por um profundo respeito às diversas convicções religiosas e ao “destino espiritual” de cada ser humano, evitando o proselitismo e a linguagem exclusivista, ou preconceituosa.

É importante favorecer a percepção do valor de um mundo plural e diversificado. As religiões, genuinamente diferentes, são autenticamente preciosas. A diversidade religiosa deve ser reconhecida não como limite ou fato conjuntural passageiro, e sim como traço humano irredutível e irrevogável. Assegurar o respeito à diversidade é garantir a integridade das tradições religiosas e potencializar o diálogo. 

Por fim, uma outra contribuição se refere à recuperação da força espiritual das religiões. Num tempo marcado por tantos conflitos e afirmação de tantos dogmatismos e arrogâncias, há que desentranhar forças de renovação espiritual em suas múltiplas formas de expressão. São forças espirituais que conferem à vida humana uma “fidelidade de fundo” e um “horizonte de sentido” e desvelam para as pessoas caminhos alternativos, marcados pelos valores da compaixão, da cortesia e do cuidado com todas as formas de vida.
Monumentos sagrados do século 3° a.C., sinal das culturas extintas – Sítio arqueológico de Sán Augustín, na Colômbia. Unesco (Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura) – Patrimônio Cultural da Humanidade.Mesquita islâmica de Bukhara, no Usbequistão. Unesco – Patrimônio Cultural da Humanidade.Pintura religiosa do século 7° - Palácio de Potala, no Tibete, antiga residência do Dalai Lama, líder mundial do budismo zen. Unesco – Patrimônio Cultural da Humanidade.


* Faustino Teixeira
Professor do Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião na Universidade Federal de Juiz de Fora (MG), pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e assessor do Iser (Instituto de Estudos da Religião) do Rio de Janeiro. Tem diversos livros publicados.


Obras do autor


A(s) ciência(s) da religião no Brasil

Coleção Religião e Cultura, cód. 9968-6
Editora Paulinas

O livro é resultado do intenso trabalho que o Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Universidade Federal de Juiz de Fora (MG), vem desenvolvendo, em parceria com pro­fessores de outras uni­versidades. Os diversos autores analisam o aspecto epistemológico (científico) desta área nova do conhecimento acadêmico, na qual o Ensino Religioso tem encontrado seu espaço. 







Nas teias da delicadeza: Itinerários místicos 

Coleção Religião e Cultura, cód. 51080-7
Editora Paulinas

Os seminários vêm se multiplicando, desde o ano 2000, o que faz da Universidade de Juiz de Fora um ponto referencial para o avanço das Ciências da Religião no Brasil. Neste novo livro, os pesquisadores apresentam um fascinante estudo comparado da mística nas grandes religiões.   






Conheça mais

BERGER, Peter. O dossel sagrado, teoria sociológica da religião. São Paulo: Editora Paulinas, 1985, p. 186.

MADURO, Otto. Religião e luta de classes. Petrópolis: Vozes, 1981, p. 46.

OLIVEIRA, Pedro Ribeiro de. Estudos de religião no Brasil: um dilema entre academia e instituições. In: SOUZA, Beatriz Muniz et. al. Sociologia da religião no Brasil, p.15.

TEIXEIRA, Faustino (Org.). A(s) ciência(s) da religião no Brasil. São Paulo: Editora Paulinas, 2001, pp. 234-239. (Coleção Religião e Cultura, cód. 9968-6).

VAZ, Henrique Cláudio de Lima. Raízes da modernidade. São Paulo: Loyola, 2002, pp. 284-285.

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